A Fome

A fome. Famélico, morrera de fome, o homem, na beira do prato, lambuzado de tentar de lábios costurados. Nesse último momento, foi feliz, apesar. Enfim, o que apanhava de mãos cheias e, lambão, levava ao rosto, empastando a cara toda - com a violência extasiada de quem o faz com água achada, perdido no mato sedento -, enfim aquela era sua comida. Comeu, então, contente de boca fechada, comeu com tato e devoção a primeira e nenhuma refeição de sua longa vida magra.
Sempre teve fome, o homem. Tanto que sua débil busca por comida sempre foi ficando mais atordoada conforme a inanição crescia e os pratos que achava, recheios de vazio. Tudo que alcançava roncando de esforço, seu estômago recusava, rejeitava de impropriedade nutricional. Não eram comida pra ele aqueles pratos escavados - ou deixados ali por boas almas -, alheios de seu teor, encontrados aos cacos nos cantos do labirinto em que se achou, desde sempre, minotauro de pés de homem e cabeça flâmula vermelha aos próprios chifres.
Sempre teve fome. E morrera assim, empanzinado com seu bocado de ilusões achadas, que comia por fora, a morrer de fome, o homem.