Busca ao Pente Fino ou Galinhas Não Têm Esporas
Frederico
criava galinhas renascentistas no topo de sua cabeça; ciscando nos tufos
pretos e, hora ou outra, perfurando gêiseres no coco para colherem o plasma
que as auxiliava na regurgitação dos grãos de milho apanhados
esporadicamente quando chovia, elas se atronavam como rainhas na coroa macia
do bobo.
Frederico tinha temperamento de filhote felino em casa fechada, pulava de uma
atenção para outra, susto para outro, sempre entretido nas diversas
concentrações concomitantes, e sempre disposto às alheidades
que o borbulhavam para as próximas. Vez em quando, atendia às
reprimendas dos céfalo-bicos, que urgiam por um penteado personalizado,
frente a espelho, cacarejando ordens, a ele titicas de ordem psicopatológica,
desordenadas, mas que lhe pesavam na cabeça e no terreiro social partilhado
com o resto das gentes. Atendia, na ânsia de encontrar uma configuração
própria e definitiva para o ninho das galinhas, mesmo estando cansado
das tentativas e consecutivas esporadas no coco calejado; porém, sempre
usava pentes de dentes muito grossos ou fixadores instantâneos muito instantâneos
ou espelhos pouco realistas.
Pronto, primeira brisa mais forte e penas voavam e esporas laceravam sua testa,
já cuesta de quelóides. Então, encenava frustradas tentativas
de vôo de galinha, evasões de pato, gritos de marreco suicida.
Punha-se no poleiro e fechava o bico, esperando alguma garoa para entreter as
poedeiras estéreis com respingos de milho, enquanto ele pipocasse idéias
caóticas para a próxima investida ao pente.
Frederico criava galinhas modernistas no topo de sua cabeça. Ávidas
por um ninho pessoal que atraísse galos de crina verde que as fecundassem
seus óvulos murchos que brotassem colombos de duas gemas que em riste
dessem piados de ornitorrinco que conquistassem índias puras que deglutissem
Frederico e o parissem de cócoras.
Frederico construiu um guarda-chuva para restringir os grãos do céu
às galinhas. Previa a revoada natural de quem passa fome, para, coco
nu, lustrar sua cabeça pelada e tentar seu brilho próprio. Mas
as galinhas retirantes deixaram na moringa suas penas plantadas. Ele, sentindo
algo como um alívio apreensivo, uma saciedade sedenta, barriga cheia
de vermes, frente ao espelho, embaçado como se depois de um longo banho
em lodo morno, desesperou-se ao ver sua cabaça rachar-se em aridez, as
penas cada vez maiores por entre as fendas, couro esturricar-se às macroondas
do sol da vida das gentes. Correu, galinha diante do automóvel, correu,
exaustando-se nos passos bípedes, parando, parando, imobilizando-se num
poleiro público com um pé só.
Frederico criava galinhas humanistas no topo de sua cabeça. Agora, imigrante
aborígene, dança em círculo, sabugo, a clamar pela tempestade
de grãos de milho verde, que afogará toda gente e trará
suas galinhas, sem pena, devolta a esporá-lo por um pente fino.