Noinfonts | tipografia digitável ______________

Para a felicidade de uns e o desespero de outros, a cada dia que passa, mais e mais pessoas se lançam à tipografia, graças ao computador - (maldito/bendito seja). Com graus diferentes de complexidade e insanidade, fontes hoje em dia brotam nos computadores. Letras novas a cada ins... piração, indisposição ou neurose dos tipógrafos. E se considerarmos o número de fontes que já existem, realmente fica complicado explicar para que inventar mais - aliás, os tipógrafos condenam a “banalização” provocada pela revolução digital. Mas, que mal há em se expressar? Aliás, essa personificação “cali.gráfica” tem uma riqueza original subjetiva que deve ser, no mínimo, e, antes de mais nada, respeitada. “Roubar idéias de uma pessoa é plágio. Roubar de várias é pesquisa.” (fonte duvidosa)

O trabalho que aqui se apresenta tem como objetivo testar os limites do código leitura, testar o público, testar a ferramenta computador, além de ampliar o exercício criativo (tridimensionalidade, sobreposição) na elaboração de algumas fontes, e, principalmente, promover a tipografia, instigando futuros tipógrafos.
Apresentando-se em uma série de experiências, o trabalho mostra que as possibilidades de variação são mais numerosas do que parecem. A revisitação aos alfabetos romano e fenício, ou, mais perceptível ainda, às referências Times e Helvética, foram constantes do processo - fosse para reforçar ou para negar esse repertório. O processo tem suas curiosidades e detalhes relatados com o intuito de deixar o leitor sentir uma mínima intimidade com o exercício.
Pela felicidade daqueles uns e desespero daqueles outros: comecemos a exposiào do tal pretenso complexo insano.

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E em defesa ao plágio: “O homem é capaz de fazer brotar uma idéia de outra por uma espécie de sugestão, a que se dá o nome de inferência”. PEIRCE, C.S. apud. FERRARA, Lucrécia, Olhar Periférico. S.Paulo, Edusp.

Dedo, formão, pincel, pena, esferográfica, mouse. Desde que se configurou o primeiro código de comunicação não verbal, os elementos que o compunham sofreram as mais absurdas alterações, e o que é mais absurdo ainda, sem mudar nada. Pictogramas, hieróglifos, escritas cuneiforme, romana cursiva, gótica, moderna, linear, digital...

Hoje, zilhões de inferências depois do dedo na parede, seria impossível calcular o número de tipos que existe, mas praticamente todas essas variações de letras latinas têm descendência direta das inscrições romanas do séc.I da era cristã, dos estilos de escrita fenícia e grega. E poderiam ser resumidos em três os principais delineadores da tipografia ao longo dessas variações: o estilo, ligado ao repertório cultural do tipógrafo; a tecnologia, com a alternância de ferramentas; e, finalmente, o suporte, onde seria talhado, riscado ou impresso o garrancho.

A tecnologia talvez tenha sido o que mais influenciou as transições, mas o público a quem era dirigida a mensagem também foi muito importante. Como no período em que a igreja controlava a produção cultural, época em que pouquíssimas pessoas eram alfabetizadas e as letras eram mais rebuscadas; ou quando a burguesia passou a interferir, a questão da praticidade era muito interessante para o comércio e as letras foram sendo mais simples, mais legíveis.

Até bem pouco tempo atrás, à base de nanquin, café e paciência, ajustes óticos eram minuciosamente trabalhados. Com uma maestria raramente vista hoje, aliavam-se legibilidade e leiturabilidade, ergonomia e estética. Por ser tão laborioso, no entanto, era um trabalho lento e caro. é quando surge o emprego dos tipos móveis: com os desenhos em clichês, as palavras e composições eram montadas manualmente. Ganhava-se tempo e reduziam-se os custos. O computador, a mais recente das interfaces, resume tudo isso. A facilidade de manuseio e a qualidade de acabamento que a ferramenta possibilita permitem ao tipógrafo um número muito maior de estudos e conseqŸentemente de resultados. Alguns especialistas afirmam que essa facilidade é um problema, por dar uma falsa impressão de profissionalismo a amadores, mas esse mito do tipógrafo já não se sustenta: nos últimos anos, foram vários os gênios que se revelaram no contexto digital.

Os tipógrafos atuais trabalham praticamente em função do público, ou seja, da mensagem. Não havendo a preocupação com o esquadro (praticamente tudo é possível), concentra-se na questão verbal e não verbal. O desenho nunca falou tão mais que o texto propriamente dito. As fontes, para competirem em meio a tamanha poluição visual, estão extremamente pregnantes. No design de cartazes, painéis, é fundamental que se busque essa qualidade de pregnância. “Os tipógrafos não podem ser apenas bons técnicos. Eles devem cultivar alguns parafusos soltos na cabeça.” Wolfgang Weingart, revista Tupigrafia n¼1. S.Paulo, Ed. Bookmakers.

 

Verbal x Não-verbal
Hoje em dia, as ruas estão muito poluídas visualmente e, para um cartaz ou um out-door ter destaque, o publicitário tem que apelar, fantasiar a peça. As pessoas já estão acostumadas com essa descarga de informação inútil e já não param para olhar, simplesmente são “fisgadas” - ou não - pela imagem. E embora hoje percebam muito mais informação do que antigamente (ou, aliás, justamente por causa disso), as pessoas passaram a filtrar, focar, nção se atendo a qualquer texto que lhe seja colocado à frente. O uso de massas de textos em out-doors, por exemplo, caiu vertiginosamente porque foi percebido que o tempo de atenção dado a essa peça gráfica é cada vez menor.
Os elementos que compõem essa ordem de percepção, segundo a Gestalt, é definida por “forças internas” (que se explicariam na anatomia cerebral), e essa percepção seria regida pela pregnância da forma ou força estrutural - que depende das condições dadas no sentido da clareza, da unidade, do equilíbrio. A pregnância que uma fonte tem é portanto o que estimula, com maior ou com menor intensidade, nosso cérebro, é o que o leva a separar o elemento focado do seu entorno.
Para o design gráfico trabalhado no universo da moda, do vídeo-game, das embalagens, das vinhetas de TV, a disputa entre os elementos de uma peça gráfica já faz parte da linguagem, principalmente para o público jovem, sendo inclusive explorada em out-doors a limpeza de elementos (estética que foi muito explorada nos anos 80 e mantida nos anos 90), um modo de chamar atenção no meio de um caos visual (estética suja do final dos anos 90). Enfim, ainda nesses casos, a força da informação verbal depende da tipologia e, ainda que em detrimento da legibilidade, há que se supervalorizar a leiturabilidade, explorar essa linguagem dos códigos.

 

Display x Texto
Quando comparamos fontes display - criadas para serem aplicadas em grandes dimensões - com fontes de texto, estamos contrapondo leiturabilidade a legibilidade. Segundo Lucy Niemeyer, leiturabilidade pressupõe legibilidade, e, a recíproca não é verdadeira. Bem, para um texto longo talvez, mas para nomes curtos ou logos a legibilidade pode ser inversamente proporcional à leiturabilidade. Para o público jovem, é mais interessante despertar a curiosidade, seduzir, provocar um mistério. Em algumas situações, a incompreeensão é preferível, por dirigir-se a um público que espera por ser instigado, desafiado, um público que espera fontes mais rebuscadas (vide mídias instantâneas, com informações rápidas, misturadas, mas instrutivas). A legiblidade vai direto à questão verbal, enquanto a leiturabilidade busca atrair, causar uma impressão, comunicar uma idéia (ainda que, ou propositalmente, interferindo na mensagem verbal).
As fontes que compõem esse projeto são praticamente todas fontes display (apenas uma família é para texto), o que significa dizer que as criações vinham guiadas pela estética e não pela ergonomia. Aliás, nesse projeto existe uma clara supervalorização da leiturabilidade em detrimento à legibilidade.

 

Sobre a criação, quando o alfabeto a ser desenhado tinha um contexto (como no caso da Merlim), partia-se dos referenciais que este oferecia. Se não, ou seja, se o ponto de partida fosse uma forma, então iniciava-se a definição de um ou dois caracteres, a partir dos quais seriam desenhados os demais. O processo de brainstorming era constante, desde o começo até depois de criado o alfabeto (já que as correções eram feitas a partir de experimentos, testes de justaposições, etcétera). Eram considerados alguns pontos básicos, como a forma e a possível aplicação, mas a ergonomia não era um empecilho para esse projeto. A questão era estética, buscando leiturabilidade e não legibilidade. Esta última aliás era um entrave no processo de criação, afinal, ainda estamos muito presos às essencias estruturais das letras, além de moldados às fontes que nos são oferecidas quando deveríamos sim estar criando nossas próprias fontes.

Sobre a digitalização, só aconteceu com a Merlim. Todas as outras já surgiram no computador, por este ser mais prático para desenhar uma fonte se pensarmos que, com ângulos e curvas precisos ou com um desenho irregular, algum padrção deve existir.

Sobre o ajuste de caracteres, quando o caractere ia para o Fontographer, ele enchia sua caixa (imagine um clichç, só que virtual) no sentido vertical. Como o Fontographer não sabia se eu estava transportando uma maiúscula ou uma minúscula, para que um “v” não caísse gigante em sua caixa (ou um “a” começasse na base em que deviam começar o “p” ou o “q”), eu fazia um desenho nos extremos inferior e superior que desejava estipular (um quadradinho, por exemplo). Eles definiam as bases verticais ao serem transportados com os desenhos da fonte. E os extremos das caixas são existiam pra me definir um espaço, pelo contrário, eu os definia. Ou seja: tudo era ferramenta, até mesmo o que não parecia. Considerando o fato de que a letra podia ser proporcional ou não à caixa, extrapolando, sendo menor ou vazando, enfim, ela podia ser qualquer coisa. Estava lidando com uma caixa virtual, nada a ver com aquelas madeiras e chumbos da tipografia do século passado. O Fontographer só serve para dizer onde acaba e onde termina uma caixa (as coordenadas!) da fonte. Entendido isso, eu podia usar toda a área em torno desse “clichê virtual”.

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